- A Paz Através de Uma Tigela de Chá -

Hanamidango

Uma das características típicas da primavera japonesa é apreciar as flores da cerejeira no auge de seu florescimento debaixo das árvores, comendo algo delicioso ou tomando algum sake prazerosamente. Para acompanhar esta cerimônia de contemplação das flores de cerejeira não pode faltar um doce, e o que melhor representa, é sem dúvida, o “hanamidango” (lit. bolinhas para ver flores).

Geralmente as três bolinhas, vermelha, branca e verde, vêm nessa mesma ordem, espetadas num palito. Existem várias explicações para o significado dessas cores. Há aquela em que o vermelho representa a flor de cerejeira e, portanto a primavera, o branco, a neve, ou seja, o inverno e o verde, as folhas novas do verão, expressando assim as estações. Somando a esta versão, e fazendo um jogo de palavras, “aki ga nai”, <秋がない por não conter o outono>, associa-se à palavra “akinai” <商い negócio/comércio> ou ainda “(tabe)akinai” < (食べ) 飽きない não enjoar (de comer)>, querendo significar com tudo isso o desejo de que os negócios corram bem. Outra versão é que o vermelho representa a flor de cerejeira ou o sol, o branco a neve que remanesce no início da primavera ou o sake branco bebido no festival dos pêssegos (momo no sekku 桃の節句) também conhecido como dia das meninas, hinamatsuri – 3 de março, e por último, o verde representando o verde-claro ou a planta “yomogi” (Artemísia japonesa) significando a primavera. Ainda há outra versão, a de que o vermelho e branco simbolizam ocasiões auspiciosas e o verde, uma cor de bons augúrios, tendo a capacidade de espantar os males.

Existe ainda uma perspectiva em relação à ordem das cores nas bolinhas doces. Uma das explicações é que representa o fenômeno do florescimento da cerejeira, começando com o vermelho das flores ainda fechadas, tornando-se brancas ao abrir e o verde das folhas que nascem depois que caem as flores. Outra interpretação é o fenômeno do início da primavera, onde no céu aparece o sol ou a flor de cerejeira, na terra, os restos da nevada e abaixo dela os brotos verdes das plantas. Seja qual for a interpretação, todas remetem a um dia ensolarado de primavera, e são exatas para a situação da contemplação de flores.

Dizem que os japoneses começaram a comer “wagashi” e a festejar nas ocasiões de hanami em 1598, quando Hideyoshi Toyotomi promoveu uma cerimônia de chá de grande proporção no Templo Daigoji, em Kyoto, chamada “Daigoji no Hanami” (Cerimônia de contemplação das flores de cerejeira de Daigoji). Há uma versão que nesse evento Hideyoshi mandou fazer as bolinhas de três cores. Tal como descrevemos anteriormente no artigo sobre “Uguisu-mochi, nota-se um profundo elo entre o “wagashi e a cerimônia de chá.

As três bolinhas bem redondinhas e alinhadas esteticamente são bonitas; a suavidade do doce e a maciez ao morder trazem muita satisfação. Ultimamente, muitos as confeccionam utilizando corantes naturais ou não, mas tradicionalmente mistura-se jôshinko (上新粉, farinha de arroz não glutinoso de alta qualidade) com açúcar preparando assim o “suama” (mochi doce) e logo o colorindo com manjericão roxo (aka shiso), gardênia (kuchinashi), cereja ou artemísia. Desta forma, cada cor traz um sabor levemente diferenciado. Que tal se apreciarmos com os olhos e com a boca as flores e as bolinhas doces, respectivamente, sentindo toda a plenitude da primavera?

Abril de 2018