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Entrevista com Yoshiharu Kikuchi, presidente do Comitê Executivo da Comissão para a Comemoração dos 110 Anos da Imigração Japonesa no Brasil

A décima segunda entrevista com personalidades no Brasil apresenta o presidente do Comitê Executivo da Comissão para as Comemorações dos 110 Anos da Imigração Japonesa no Brasil, Yoshiharu Kikuchi.
Perfil

Nasceu na província de Iwate, Japão, e chegou ao Brasil em 1958, há 58 anos. 
Família: Esposa, dois filhos e cinco netos

Entrevistador: Quais são suas atividades atualmente?

Não estou realizando nenhum trabalho em especial. Passaram-se 57 anos desde que cheguei no Brasil e, hoje, praticamente estou no voluntariado: ajudo em trabalhos em um templo e, como presidente de Kenjinkai (Associação de pessoas de uma mesma Província do Japão) em 1995, estive envolvido na Comissão das Comemorações dos 100 anos do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação Brasil-Japão (Estabelecimento das Relações Diplomáticas entre Brasil e Japão). Minha relação com a Urasenke iniciou-se no ano de 1998 no Festival de Iguarias Regionais e Folclores Regionais do Japão (atual Festival do Japão). Ocupava o cargo de 1º vice-presidente da KENREN – Federação das Associações de Províncias do Japão no Brasil. Atualmente, o festival do Japão é um evento em grande escala, mas iniciou-se como um evento comemorativo do 90º Aniversário da Imigração Japonesa no Brasil, na marquise do Parque do Ibirapuera. As atividades dos Kenjinkai, a 20 anos atrás estavam estagnadas e haviam se tornado reuniões onde somente os pais se socializavam, sendo a bebida alcoólica presente. Desta forma, os filhos não tinham participação. Nasce aí a necessidade de se criar um evento que impulsionasse a sociedade Nikkei com a participação da família e de toda a sociedade japonesa. Se, se propuséssemos comidas regionais e introduzíssemos a cultura japonesa, as mães e os filhos compareceriam. Com o entretenimento regional de artes e comidas típicas, o público compareceria e a renda aumentaria…isto era muito bom, não é? E esse foi o objetivo da festa dos 90 anos da imigração japonesa. Naquela primeira vez, 50 mil pessoas participaram no Parque do Ibirapuera. Rapidamente o espaço ficou pequeno, o evento tornou-se maior e agora está sendo realizada na São Paulo Expo Exhibition & Convention Center.

 

Entrevistador: Fale sobre as Comemorações dos 110 anos da Imigração Japonesa no Brasil.

No marco das Comemorações dos 110 anos da Imigração Japonesa no Brasil, está previsto que o Festival do Japão será também um evento a ser realizado em conjunto. Se assim for, novas pessoas irão participar, e novas ideias surgirão. Cogita-se também em estender o convite à Comissão – Olimpíadas Tokyo 2020 do Japão. E também se espera convidar os Kenjinkai pois alguns pretendem realizar a Cerimônia de Aniversário de Fundação no próximo ano.  Assim os Kenjinkai se revitalizariam. No ramo da gastronomia japonesa, o mundo agora está em foco no ramen. Estamos, então, tentando fazer um orçamento para trazer ramen de Yokohama, já que o navio de imigrantes zarpou de Yokohama.

Este é um bom momento, agora temos a Japan House pronta antes das Olimpíadas Tokyo 2020, reunindo a todos, compondo a cultura japonesa. Conforme a cultura japonesa é apresentada e divulgada, acredito que a sociedade Nikkei se fixa.  Por conta da miscigenação no Brasil, temos que deixar um ótimo legado de cultura.  Essa cultura tradicional vai trazer boa influência de transformação às pessoas como ser humano. E isso é necessário no Brasil.

 

Entrevistador: Qual foi seu histórico de vida até aceitar a presidência do Comitê Executivo da Comissão para a Comemoração dos 110 anos da Imigração Japonesa no Brasil?

Em 1990 fui presidente de Kenjinkai, e antes disso devido ao contato que tinha com um monge budista, construí três templos. Também exercia o cargo de diretor da Federação das Associações de Províncias do Japão no Brasil quando fiz a revista comemorativa dos 30 anos da Kenren e, apesar da situação financeira grave, de alguma forma deu para consolidar o projeto. Devido as minhas funções anteriores, fui designado diretor nas Comemorações do Centenário do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação Brasil-Japão (1995). Em 1997, por ocasião da visita do Imperador, como representante da Kenren, fui nomeado para o cargo de presidente da comissão organizadora do evento. E nos 90 anos da Imigração Japonesa foi o Festival do Japão.  Naquela época, realizei a elaboração do monumento comemorativo do desembarque em Santos, graças a “campanha de Um Real” que executei para receber doações da Kenren, dos Nikkei, dos japoneses e do interior. No 50º Aniversário da Imigração Pós-guerra em 2003, me encontrava no Enkyo – Beneficência Nipo-Brasileira de São Paulo como vice-presidente e presidente da comissão de finanças.  Nessa ocasião, com a colaboração de todos, consegui realizar novamente o Festival do Japão no Ibirapuera. 

Logo, fui chamado também pelo Hospital Nipo-Brasileiro. Como a situação financeira naquele tempo ainda era ruim, o presidente da época me solicitou para reestruturar a administração.  De alguma forma, consegui reorganizá-lo em cerca de três anos, e agora está no positivo. Bem, assim foram os acontecimentos.

 

Entrevistador:  O senhor mostra ter ótima habilidade de gestão. Não é de se admirar ser tão requisitado!

Não, não, imagina!  Quando as pessoas me perguntam “de onde provém o seu salário, por trabalhar no templo ou por trabalhar no Enkyo?”, eu respondo que eu mesmo arco com as despesas tanto da alimentação quanto da gasolina.

Então, me perguntam “como é que consegue se manter?”…, eu lhes digo qual é o meu lema.  Se ajudar e cooperar em diversas maneiras para outros, há de retornar de forma natural para nós mesmos.  É um método simples, mas o fato é que retorna a nós mesmo apenas a quantidade necessária. Eu não sei se é verdade ou não, mas até agora tem sido assim para mim.

 

Entrevistador: 110 anos da Imigração. É uma história muito longa, mas o senhor que é da primeira geração (issei), que expetativas tem das futuras gerações, dos descendentes?

Aos 19 anos eu cheguei no Brasil, e estou muito agradecido com todos que me apoiaram e me ajudaram. Era muito pobre, não tinha nada, até pensei que nem poderia casar. O que possuo hoje é graças àqueles que me protegeram, por isso de alguma maneira eu quero colaborar no que me for possível. Os 100 anos da Imigração era um grande evento. Quando a Enkyo decidiu construir o Centro de Assistência Social Enkyo, estive encarregado de ver diversos aspectos financeiros, e foi construído sem o uso do dinheiro de Japão. O dinheiro que nos emprestaram, imediatamente foi devolvido, e com isso, naquela época, criou-se uma relação de confiança com o povo japonês. Pois, o que nossos veteranos vieram construindo tinha sido interrompido uma vez. O motivo não era porque os nisseis tinham entrado, mas me disseram que por serem muito jovens. Para solucionar tal questão agora, juntos, com essas pessoas estivemos construindo o hospital e reformando a casa de repouso com o desejo de que, de alguma forma, os imigrantes que vieram ao Brasil, fossem felizes.

No centenário da Imigração, houve a cerimônia oficial com o apoio da mídia e do Congresso, que apreciaram muito a cultura japonesa e o aspecto positivo do Japão, ou seja, o seu espírito.  Talvez não conseguiu despertar o interesse pela cultura japonesa mas manteve o sentimento de confiança e de credibilidade aos japoneses.

O 110º aniversário é o primeiro passo em direção dos 150º anos para os 200º anos. Daqui em diante iniciamos o trabalho de verdade. Agora os jovens devem dar duro, caso contrário o elo construído até agora tornar-se-á perdido e desaparecerá gradualmente.

Agora o mundo tem apreço pela cultura japonesa e pelo aspecto espiritual. Hoje se está na era em que se dá mais atenção para a natureza humana, a cultura espiritual. No Brasil, isso é escasso, perde-se algo que é tão importante, os políticos pegam dinheiro da corrupção, a sociedade torna-se pior e confusa. Desejo que o país que reúne os imigrantes do mundo, torne-se melhor acolhendo os pontos positivos. Gostaria que os jovens da 3ª, 4ª, 5ª gerações tornem melhor o Brasil com o legado trazido pelos imigrantes: cultura, senso de responsabilidade e diligência.

Sozinho não dá para fazer. O que eu penso é que alguém deve dar o início e ir aos poucos trabalhando sobre isso. Alguém tem que dar duro, pois caso contrário aquela confiança que os imigrantes construíram irá se debilitar. E quando alguém trabalhar com esse sentimento, gradualmente irá triunfar.

A minha esperança agora é que tanto Kenren como Bunkyo mostrem mais ânimo. Mas não basta ser só um deles. O Bunkyo, desde antigamente, é a entidade central que reúne a sociedade Nikkei. A Kenren dedica-se ao intercâmbio cultural, ao intercâmbio entre pessoas, entre outros.  A Enkyo auxilia as pessoas, ajuda as pessoas com problemas. Se estes três não estão bem, um dia irão fracassar. Todos precisam dar-se apoio mutuo como três pilares, assim pela primeira vez, a sociedade irá se desenvolver e terão credibilidade. É difícil e solitário para uma única pessoa.  Penso que é bom transmitir corretamente algo como isto. Sozinho não dá para fazer. Por isso há a experiência que se tem até agora e também as diversas relações que se tem no Japão.

Desde que cheguei no Brasil realizei diversos trabalhos e fui sendo avaliado ao fazer aquilo que eu mesmo achava ser normal.  Neste momento dos 110 anos, devemos atrair de alguma forma os jovens, para que eles aprendam a estar conectados para os 120 anos, os 140 anos.  Os jovens trabalham duro, por isso eles devem assumir.   Eu sinto que se deve soprar para a Colônia o vento de novas reformas, e aquilo que todos nós viemos preservando possam dar melhores resultados e assim ir avançando.

 

Entrevistador: Qual é sua relação pessoal com a Cerimônia do Chá?

Meu primeiro contato com a Urasenke foi no Festival do Japão, que comemorava os 90 anos da Imigração [1998], achei maravilhoso ver a todos de kimono.  Também tenho participado como mestre-de-cerimônia de um evento da Urasenke. 

O fato de participar e relacionar-me com pessoas de fora da minha área é um aprendizado. Senti quão profunda é a cultura japonesa.  Anteriormente, fui convidado quando Daisôsho veio, e sou muito grato por isso.

 

Entrevistador: Qual é a sua filosofia de vida?

Não tenho nenhuma em especial, mas eu gosto de:

“Qualquer que seja a situação, a solução sempre se apresenta”
“Não fique frustrado, deixe passar”
“As dificuldades são o primeiro passo para o sucesso”

 

 

“Qualquer que seja a situação, a solução sempre se apresenta”
“Não fique frustrado, deixe passar”
“As dificuldades são o primeiro passo para o sucesso”

 

 

Muito obrigado por nos ter concedido esta entrevista.

 

Setembro de 2017