Entrevista com Katsuhide Itagaki, diretor-presidente da Panamedical Sistemas
Nesta décima terceira entrevista com personalidades no Brasil, apresentamos o diretor-presidente da Panamedical Sistemas, Katsuhide Itagaki. Ele comenta sobre o Seminário de Chanoyu na Sala de Chá Hakuei-an, do qual ele participa.
Entrevistador: Poderia nos descrever seu trabalho?
Faço o trabalho de importação e vendas de equipamentos cirúrgicos desde 1991. Dentro dessa ampla gama, trabalho com equipamentos na área gineco-obstetrícia, operações cirúrgicas e neurocirurgia, no âmbito nacional.
Entrevistador: Qual foi o seu motivo de abrir uma empresa no Brasil?
Abri a minha própria empresa, a Panamedical Sistemas em 1991, mas vim antes ao Brasil, em 1981 como o primeiro representante da empresa “Meiji Seika”. Fundamos uma filial aqui sem mesmo saber onde estávamos. Na época o meu chefe do Japão disse-me que o período de trabalho aqui seria de 3 a 4 anos, no entanto se passaram 7, 8 anos e fui sentindo que me adaptava muito bem por aqui. Por outro lado, qualquer trabalhador assalariado sonha em deixar de sê-lo algum dia… Fui vendo desta forma que as coisas se encaixavam. Recusava os mandatos de retorno ao Japão e quando passaram 10 anos pedi demissão e formei a minha empresa, isso em 1991. Aí começaram as dificuldades. A economia brasileira está em formação, cheia de altos e baixos, mas nestes 26 anos de alguma forma estamos sobrevivendo, com 20 funcionários.
Entrevistador: O senhor veio como um representante de uma empresa primeiro. Qual foi o fator decisivo para querer ficar no Brasil?
Já faz 36 anos que estou no Brasil, contando a época em que trabalhava para a empresa japonesa. Sinto que o tempo passou num piscar de olhos. Eu mesmo nem sei bem por que acabei ficando, mas um dos motivos foi que queria abrir o meu próprio negócio. Está certo que como um assalariado nós carregamos o nome e a responsabilidade da empresa nas costas, mas ficamos sem saber até que ponto o esforço é próprio ou não. Fiquei com vontade de me desafiar, em outras palavras, queria provar se era capaz mesmo de fazer as coisas por conta própria. Naquela época estava de moda o fenômeno “dekasegui” e escutava muitas coisas. Está bem que as pessoas fossem ao Japão trabalhar pelo lado econômico, financeiro, mas também escutava casos trágicos dentro das famílias. Um marido saindo de casa e deixando mulher e filhos para trabalhar e quando se passam 2 ou 3 anos começam a acontecer diversos problemas tais como a desarmonia familiar, o divórcio, crianças que têm problemas escolares. Ah, um momento! pensei. Com um pouco de vontade é possível sim fazer negócios aqui. E queria provar que era possível. A maioria dos brasileiros está conseguindo. Então algo dentro de mim queria demonstrar à essas pessoas que era possível sim, que pensassem se realmente valia a pena ir ao Japão apenas pelo aspecto financeiro, correndo até o risco de destruir a sua própria família.
Entrevistador: Por favor, conte-nos sobre seu fascínio em relação a cultura brasileira.
O Japão é um país altamente desenvolvido e quase sem brechas, uma sociedade que se move exatamente dentro das regras. É uma característica dos japoneses e ela está presente em todas as facetas da sociedade. Mas a brasileira é o extremo oposto dela. O conceito de “bagunça” aqui do Brasil é algo fascinante para mim. É extremamente humano. No Japão, onde quer que seja, tudo está normalizado, tanto nas palavras como nas ações e se alguém ousar sair disso é considerado imediatamente pela sociedade como um estranho.
Outro ponto fascinante do Brasil para mim, nascido em Hokkaido, no Japão, é a imensidão dessa terra.
Entrevistador: Como o senhor começou a frequentar o seminário de Chanoyu?
A primeira vez que soube dele foi através de um e-mail. Fui atrás imediatamente. Antigamente não tinha nenhum interesse na cerimônia do chá, mas depois que vim ao Brasil, pelo contrário, tive a oportunidade de reapreciar a cultura japonesa em diversos aspectos, como por exemplo a chance de apreciar o teatro Noh (patrocinado pela Fundação Japão). Na minha empresa tenho a possibilidade de observar os brasileiros que trabalham lá, a maneira de pensar e atuar deles e sempre pondero sobre isso. É assim que começo a refletir no fato de ter nascido japonês, o porquê de possuir agora uma maneira de pensar com características japonesas, e chego à conclusão que na minha forma de pensar se reflete uma parte da longa história japonesa até o momento atual.
Frequentando e estudando administração no curso Seiwajyuku, curso de economia fundado pelo senhor Inamori Kazuo da empresa Kyocera (o Brasil é o primeiro país no estrangeiro a receber o curso fora do Japão), lá aprendi não o know-how básico, mas como os administradores pensam sobre as coisas. Quando estudávamos os procedimentos necessários para preparar o chá (temae), compreendi que não deve existir algo mais elaborado e completo do que ela. Que para a área de importações e vendas ou de fabricação, os procedimentos da cerimônia do chá se aplicam perfeitamente.
Entrevistador: Que combinação inusitada, a dos negócios e da cerimônia do chá.
Acho que a perfeição do temae, das ações, ou de cada uma das sequências se aplicam na sua totalidade na linha de produção numa fábrica, na ordem e limpeza ou na preparação prévia entre outros pontos. Ao aprender a cerimônia do chá, temos tantas coisas que podemos aproveitar no nosso trabalho. Por exemplo, penso que o conceito japonês dos 5S: Seiri 整理 (utilização), Seiton 整頓 (organização), Seisô 清掃 (limpeza), Seiketsu 清潔 (higiene), Shitsuke しつけ (disciplina) se encontra inteiramente na cerimônia do chá. Nossa empresa planeja diversos eventos e em cada um tentamos ordenar bem, não desorganizar, fazer a preparação prévia impecavelmente. Só assim, garantimos o primeiro passo ao sucesso dos mesmos. Mesmo assim, nesses preparativos, nunca existe fazer demais pois teremos sempre algum detalhe para fazer no dia. E disso fazemos um hábito. Esta soma de fatores existe integralmente dentro da cerimônia de chá.
Por isso, quando soube deste seminário, convidei a todos do curso Seiwajyuku para frequentarmos juntos. Primeiro porque estava sem coragem de fazê-lo só. Acho que fiz um convite muito persuasivo. Opino especialmente que aqueles que trabalham na área de produção deveriam obrigatoriamente aprender. Por que devemos colocar, por exemplo os utensílios do chá, em determinado lugar, por que nessa ordem, entre outros. Tais aspectos são aplicáveis inteiramente na produção. Ao mesmo tempo que são eficientes, apresentam beleza. Por outro lado, nas coisas belas não existem desperdícios, talvez podemos dizer que estão em sua plenitude. Penso que os administradores deveriam também aprender.
Quando tiverem oportunidade todos deveriam propagar em voz alta (sobre a cerimônia de chá). Que não é apenas uma cerimônia superficial simples com momentos de elegância a serem desfrutados; existe, sobretudo, algo muito mais profundo dentro dela. Esta foi sendo refinada ao longo dos tempos e perfeiçoada. Acredito, no entanto, que não há outro caminho senão aprendê-la. Convidei os meus companheiros porque senti que queria compartilhar essa percepção com todos.
Entrevistador: E o que o senhor colheu participando do curso de fato?
Tive ainda mais certeza de tudo. Uma coisa é só assistir e outra é realmente participar. Fico um pouco frustrado vir apenas uma vez ao mês, não consigo aprender como gostaria. É muito difícil por ser só uma vez por mês.
Penso que o interesse em aprender a cerimônia do chá não se resume a isso. Creio que cada uma das pessoas sente algo mais.
Entrevistador: O que o impressionou especialmente?
Repetindo, pude aprender quão profundo é a cerimônia do chá, incluindo a sua história e os seus detalhes. Como cada vez era um tópico diferente, participava com muito interesse, assim como os meus companheiros. Sobre o pote de chá em cerâmica (chaire), sobre os aspectos de uma reunião de chá (chakai), sobre a forma dos convidados entrar na sala. Pude escutar o conteúdo com um profundo interesse porque todos e cada um dos assuntos eram muito motivadores. Acho que os temas escolhidos foram ótimos.
Entrevistador: Qual é sua relação pessoal com a Cerimônia do Chá e seus encantos?
O que penso sobre ela pôde ser confirmada em detalhes em diferentes situações. Para mim isso se transforma em motivação, posso dizer aos meus companheiros com convicção que devem de aprendê-la, que vai ser útil.
Entrevistador: Qual é a sua filosofia de vida?
Não seria exatamente uma filosofia de vida, mas tenho uma palavra que gosto muito, “Isshôkenmei” (com toda a vontade, com todo o esforço, com todo o coração), que tenho sempre dentro de mim. Tanto o trabalho como a diversão, faço-os com dedicação. E principalmente viver com perseverança e esforço. É o que o senhor Inamori sempre nos transmite. No trabalho ou em qualquer obrigação, o mais importante de tudo é ter a vontade e todo o esforço, não é mesmo?
Nota da redação:
Tivemos a oportunidade de fazer uma entrevista muito interessante com o senhor Katsuhide Itagaki e sentimos que é muito proveitosa para todos os membros.
Além de fundar a sua própria empresa, ele foi o segundo representante responsável pelo Curso Seiwajyuku do Brasil, entre 2003 e 2012. Foi também presidente do Centro Brasileiro de Língua Japonesa de 2012 a 2015.
Novembro de 2017