Entrevista com Masaru Susaki, Diretor Geral da Fundação Japão em São Paulo
A décima quinta entrevista com personalidades no Brasil apresenta o diretor geral da Fundação Japão em São Paulo.
Nós perguntamos sobre seu trabalho, incluindo suas experiências durante sua estadia no exterior e a relação que tem com a Cerimônia do Chá.
Entrevistador: Poderia nos contar um pouco a respeito de seu trabalho?
É uma introdução da cultura japonesa, no exterior. Especificamente é um trabalho que abrange estes pontos: a difusão do ensino da língua japonesa, apresentações de arte em geral e artes cênicas do Japão, e apoio a estudos japoneses. A primeira vez que vim ao Brasil foi em 1986, acompanhando as performances do Kabuki.
Entrevistador: Quem veio durante a performance do Kabuki?
Os atores de Kabuki que vieram foram Nakamura Matagorô, segunda geração, Bandô Mitsugorô, até então chamado Yasosuke, Sawamura Tanosuke, Ichimura Manjirô, e todos os formandos do Centro de Treinamento de Kabuki do Teatro Nacional do Japão.
Entrevistador: Então, veio um número considerável de pessoas…
Foi um grupo de cerca de 30 pessoas, incluindo o pessoal dos bastidores. Havia dois caminhões de 10 toneladas, para a bagagem. Eu tinha cerca de quatro anos de serviço, desde que entrei na Fundação Japão, e vim ao Brasil como assistente do então primeiro diretor geral da Fundação em São Paulo.
Entrevistador: Por favor, conte-nos sobre seu fascínio em relação à cultura brasileira.
Sua literatura é interessante. Eu li a obra de Machado de Assis. O cenário do Rio na obra é bem diferente de agora, mas pode-se imaginar as vidas das pessoas ali descritas quando você realmente vai lá. O que me surpreendeu foi o poder cultural dos nikkei. Outro dia fui honestamente surpreendido ao ver a dança tradicional de Okinawa. De nível altíssimo. Ao considerar a possibilidade de trazer do Japão a dança tradicional de Okinawa, senti-me intimidado, pois teria que ser muito boa a apresentação. Os nikkei brasileiros estão profundamente envolvidos em várias artes cênicas. Eu acho que os outros países não têm algo assim. Nesse sentido, acho que nosso trabalho aqui deve ser feito de forma diferente, em relação a outros países.
Entrevistador: Quando esteve morando a trabalho no México, certamente encontrou muitos nikkei lá. Quais diferenças verificou, comparando-os aos daqui?
Quanto à história da imigração japonesa no México, ela é dez anos mais antiga que a do Brasil. E, em termos de número de pessoas, é cerca de 1%. O número de pessoas é importante. Claro que no México há pessoas que também executam a arte tradicional japonesa, mas sinto que o nível é diferente.
Entrevistador: Ouvi dizer que foi incumbido do quadragésimo aniversário da visita ao México da missão Hasekura. Que tipo de evento foi realizado?
O projeto comemorativo foi realizado em 2014. Em 1614, após cruzar o Oceano Pacífico, Hasekura Tsunenaga chegou ao México por ordem de Date Masamune, senhor feudal de Sendai. Atravessou o México e de navio foi a Cuba, Espanha e Roma, onde se encontrou com o Papa, a quem transmitiu as cartas de seu senhor. Ieyasu e Masamune impulsionaram o intercâmbio comercial com a Europa e quanto a isto tiveram o mesmo ideal. No entanto, Tada Masamune tinha um propósito oculto: voltar com a tecnologia mexicana de refino de prata aprendida lá. Mais de 200 pessoas viajaram no galeão construído para a expedição. Esta foi a primeira missão diplomática do governo japonês ao México e a Roma. O evento comemorativo foi liderado pela embaixada do Japão no México, e também a Fundação Japão participou. Contamos com a presença de Hôunsai Daisôshô, XV Grão-mestre da Urasenke, e muitas outras pessoas vieram de Kyoto e Sendai.
Entrevistador: Então… teve conexão com a cidade de Sendai?
Sim. O vice-prefeito da cidade de Sendai esteve presente. Hasekura Tsunenaga e sua comitiva zarparam do porto de Tsukinoura, do domínio feudal de Sendai, e aportaram em Acapulco. Na costa de Acapulco há uma estátua de bronze de Hasekura Tsunenaga. O vice-prefeito de Sendai e o prefeito de Acapulco vieram prestar-lhe homenagem.
Acho que da Urasenke do Japão compareceram cerca de trinta a quarenta pessoas. Da Urasenke do México, seu presidente Roberto Behar e o mestre Higurashi envidaram grandes esforços para o evento.
A Japan Foundation organizou especialmente um grupo de instrumentistas tradicionais japoneses, ao que deram o nome de “Tsukinoura”, compondo-se de tambores, flautas e shamisen, interpretando canções folclóricas, em uma série de apresentações, seguindo a mesma rota que Hasekura Tsunenaga e sua comitiva fizeram de Acapulco a Veracruz. Houve uma diferença de altitude superior a 2000m, o que foi difícil. Porém, se no passado foi duro para Hasekura e sua comitiva atravessar a cavalo por uma terra descampada, para nós foi muito mais fácil.
Entrevistador: Enquanto conversamos, dei-me conta de que foi muito interessante esta memória do passado, quatrocentos anos depois, com a referida comemoração. Mas creio que há também muitas coisas a se ver pela primeira vez, na rota feita por Hasekura e sua comitiva.
Isso mesmo. Acho que a história não é bem conhecida no Japão. Apenas sete pessoas puderam retornar ao Japão. Não se podia viajar a Roma com tantas pessoas, por isso muitos tiveram que ficar esperando no México. Quando sete deles voltaram ao Japão, as ordens proibindo o cristianismo tinham sido emitidas, por isso foram aprisionados. Hasekura eventualmente foi castigado. Os que tinham ficado construíram um navio, para regressar ao Japão, mas devido às ordens de proibição contra os cristãos, eles foram forçados a voltar. Não tiveram outra escolha, senão voltar ao México e lá ficar pelo resto de suas vidas, o que soa trágico. Conforme um livro publicado por um pesquisador do México, em comemoração aos 120 anos da imigração, não dá para saber mais claramente os fatos.
Entrevistador: Qual foi a reação ou resultado deste evento?
Em cada local deixei uma enquete e recebi uma avaliação de mais de 80% de aprovação, em cada um deles.
Entrevistador: Qual é o empreendimento mais impressionante de seu trabalho até agora?
Há muitas coisas impressionantes, pois já tenho mais de trinta anos fazendo este trabalho. O primeiro país a que fui enviado, foi a antiga União Soviética. Eu estive em Moscou de 1990 a 1993. Pouco antes do colapso da União Soviética, as palavras Glasnost e Perestroika tornaram-se populares no Japão. O Japão tinha, com a antiga União Soviética, problemas relacionados a territórios do Norte, e ponderou que um caminho para a normalização diplomática seria realizar intercâmbios culturais. Como não havia escritório da Japan Foundation em Moscou, saiu uma ordem governamental de que deveríamos ir com o diretor de assuntos culturais da embaixada japonesa, e assim fomos em abril de 1990. Naquela época, eram muitas pessoas do Japão, das mais diversas competências, que iam a Moscou. Nós realizamos um grande Mês da Cultura Japonesa. Eu estava no comando do grupo de Nomura Mansaku Kyôgen (teatro cômico tradicional do Japão). O atual ator Mansai era, naquela época, realmente muito jovem. Da Urasenke foram o Diretor Sekine, o mestre Kurakazu e seu grupo.
Durante um mês, centenas de pessoas vieram do Japão, mas como eu também era jovem achei o trabalho muito bom. Teve um desfile de moda de Mori Hanae. Por ser na era soviética, não podiam nos oferecer comida satisfatória para todos. As coisas também não aconteciam na hora programada, como em quase todo lugar. Foi difícil estar entre o lado japonês e o lado soviético, por isso é melhor falar de impressões.
Entrevistador: Conte-nos um pouco, por favor, de sua relação pessoal com a Cerimônia do Chá e seus encantos…
O começo foi na época da faculdade, o incentivo foi o convite de uma amiga. Por cerca de dois anos pratiquei no estilo da escola Omotesenke, mas parei porque depois da formatura me separei dela (risos). Quando tomei posse no México pela primeira vez, em 1998, o mestre Higurashi Sôhô, enviado da Urasenke, ensinou-me e continuo até hoje. Quando cheguei perto dos 50 anos, perguntei-me se estava tudo bem em continuar assim. Eu gosto muito do meu trabalho, que é agradável, mas comecei a me preocupar: depois de me aposentar… o que será que vai restar para mim? É a “crise da idade média” (risos). Todos os assalariados caem nessa. Pensei em várias coisas, em aprender técnicas que gerariam dinheiro, como um emprego de meio período depois de me aposentar. Cogitei haver algo diferente. Por minha iniciativa e como que por um impulso pensei “bem, posso tentar o chá”. Ao conversar com o mestre Higurashi, ele me disse: “então, por que não tentar?” O mestre Higurashi é uma grande pessoa, de tal magnanimidade que não entrou em detalhes. Quando converso com ele sobre isso, ele me fala “Foi assim mesmo? Deve ter havido algum mal-entendido!” (risos)
No entanto, ao começar, não conseguia dobrar o pano de seda, fukusa. Ao dobrar o fukusa do modo formal (shin), não é que ele fica pequeno! Como é que se manuseia isso? Dobrar do modo semiformal (gyô) também é complicado. Até do modo informal (sô), eu não conseguia manusear bem. Eu me pergunto por que é impossível, apesar de serem os mesmos dez dedos. E, no entanto, conforme se pratica, observando e imitando, pouco a pouco torna-se possível. Então, houve uma alegria de se constatar que, mesmo no corpo de um homem aproximando-se dos 50 anos, algo novo acontece e é possível fazer coisas novas.
No começo, mesmo nos procedimentos básicos da cerimônia do chá fraco, enquanto preparava o chá para uma pessoa, minhas pernas doíam tanto que eu mal podia ficar de pé ao final. Eu até fazia piada com isso: se, além do chá, eu não bater também as pernas adormecidas, não conseguirei ficar de pé! (risos). Mas, depois, consegui fazer para duas, três pessoas. Percebi que meu corpo estava se desenvolvendo constantemente. Isso me deixou feliz.
Entrevistador: Seria bom dizer isso, sem falta, às pessoas que estão vindo ao seminário de Chanoyu à noite.
Quando se chega perto dos 50 anos, tem-se a impressão de que o corpo vai declinando. Por exemplo, a respiração acelera, ficamos facilmente sem fôlego, mesmo quando acostumados a correr. Se trabalhar até muito tarde da noite, afeta o dia seguinte. Eu pensei que isso era via de regra, mas, não, pode ser diferente. Isso me deixou feliz.
Atualmente é muito agradável pensar sobre a sequência do procedimento no preparo do chá (temae). É por isso que sempre me importo com coisas como o porquê naquele temae se faz assim, mas neste temae é diferente.
Na verdade, não é algo onde se deve usar a cabeça, mas aprender com o corpo. Quando tem algo que me prende a atenção, pergunto ao mestre Sôichi e sempre a resposta vem. Além disso, é uma resposta muito lógica. Eu me pergunto, por que o fukusa não pode ser colocado aqui e tem que ser lá? É que se colocar ali, o próximo movimento ficaria mais difícil de se executar. Mas, será que aqui pode ser bom também? Assim, ao tentar isso, não dá certo como o esperado. Outras vezes a gente fica contente ao acreditar que saiu tudo bem, não é? ‘Ah, também pode ser feito assim…’, digo (risos), e penso em contar a Sôichi sensei. Como ele inclina a cabeça para o lado, em dúvida, e só me diz ‘hum, sim, vou ver’, acabo fazendo-o (risos). No entanto, o mestre Sôichi é muito sério, por isso na semana seguinte responde com precisão. ´Verifiquei e…’ A resposta é sempre muito precisa e, então, só me resta pedir desculpas. Mas sou muito ousado, questiono tudo.
Entrevistador: Esse tipo de interação também é uma das atrações do chá, não é?
Quando estou no Japão, faço as sessões de prática com o mestre Nishikawa que conheci durante a época soviética, quando ele esteve lá enviado pela Urasenke. Mesmo quando estou no estrangeiro e volto de férias ao Japão, procuro-o. E ele sempre me trata com severidade. Estou me sentindo bem em conseguir fazer isso, mas com certeza ele percebe que posso melhorar. O mestre Nishikawa é minucioso ao chamar-me a atenção para a postura e o manuseio dos utensílios. Aprender com mestres diferentes, na verdade, pode ser arriscado, mas é um aprendizado muito bom, porque a depender do mestre diferem os pontos onde devemos dar mais ênfase.
Entrevistador: Quantos anos passaram desde que se iniciou no chá?
Comecei com o mestre Higurashi, por volta de 1998, cerca de 15 anos, mas houve momentos em que não era possível. Na segunda vez em que eu estive a trabalho no México, recebi aulas do mestre Maruoka Sôyô, filho do mestre Higurashi. Sou grato, porque tanto no México quanto no Brasil há a Urasenke, assim posso comparecer às sessões de prática.
Entrevistador: Na época que esteve no México deu para viajar por muitos lugares?
Sim. Fui a vários lugares. O mais interessante foi Oaxaca. Lá encontramos uma riqueza do artesanato popular. Há tecidos maravilhosos. Os padrões também são criativos. A arte contemporânea floresce, e muitos jovens artistas dos Estados Unidos e do Japão encontram-se lá. Há várias ruínas no México, e em Oaxaca há uma pirâmide, no topo da montanha chamada Monte Albán, que é muito bonita, embora não seja tão grande quanto Machu Picchu.
Eram muitas viagens a trabalho, e eu fui de Norte a Sul. A imagem do México é o sombrero (chapéu de aba larga), também o sol e cactos. Essa é uma imagem do centro e de parte do sul do México. Indo para o norte, há uma extensão deserta de pedras e terra, e repentinamente aparecem cidades no meio do deserto. Indo para o sul é uma selva tropical. A Cidade do México, onde eu morava, tem uma altitude de 2200 m, por isso não é muito quente. Durante o ano todo, tem a temperatura da primavera. Só que é muito seco. O México é totalmente diferente, dependendo do lugar. Se puderem, viajem até lá, por favor. O país e os estados colocam bastante ênfase no turismo, por isso os pontos turísticos estão em boas condições.
O que é decepcionante em São Paulo é o fato do centro histórico ficar desolado. É lamentável que bons edifícios antigos estejam deteriorados. No México existe um programa chamado “Pueblos Mágicos” (aldeias mágicas). É uma versão interna do Patrimônio Mundial. O país certifica, a localidade se torna famosa de imediato e o número de turistas aumenta. Estas políticas de turismo são muito positivas. Ah, sim, tem muita cerâmica. Daí a gente acaba pensando se não haveria algo bom para ser utilizado na cerimônia do chá. É divertido ver esse mercado.
Entrevistador: Há cerâmicas, também há tecidos, e, praticando o chá, suas recreações aumentaram, não é?
Isso mesmo. O mestre Higurashi é realmente uma pessoa genial, procurando cerâmicas e tecidos. E ele realmente os utiliza. Ele me ensinou bastante sobre os utensílios que podem ser adaptados na cerimônia do chá (mitate).
Entrevistador: Na época do 60º aniversário da América Latina, em 2014, os utensílios na sala de chá do mestre Higurashi foram maravilhosos.
Devido a meu trabalho não pude participar desse evento mas, na época, por mais de meio ano o mestre Higurashi estava preocupado tentando montar o conjunto de utensílios… ‘Como fazer? Será melhor assim? O que acha, Susaki-san?’. O Presidente da Urasenke do México, Roberto Behar, tem um utensílio interessante feito por ele. Há muitos porta-incensos de conchas do mar, com finas arestas. É certo que o mestre Higurashi criou sua sala de chá do 60º aniversário com o tema “Taiheiyô 太平洋” (Oceano Pacífico). Acho que havia outras cerâmicas da América do Sul. De qualquer forma, pensou bastante, não é?
Entrevistador: Qual é a sua filosofia de vida?
Filosofia de vida? Pois é… Tenho a sensação de que é a primeira vez que penso nisso. Mas será conversa fiada. Quando pela primeira vez fiz um rolo de caligrafia para pendurar (jiku), pensei muito sobre as melhores palavras a usar, e decidi pôr “kaka taishô 呵々大笑” (gargalhada). São palavras zen, referem-se ao momento que o monge alcança a iluminação, ou seja, parece que rindo em voz alta, diz: “Quê? Era só isso?”. O significado é apenas isso, mas achei-o interessante. Havia, porém, um pequeno problema, a frase tinha quatro ideogramas「呵々大笑」. O jiku tem 5 ou 7 ideogramas. Mas, tudo bem, não é? Então pedi para escrever isso (risos).
Entrevistador: A quem pediu para lhe escrever esse rolo?
Pedi ao velho mestre Harada Shôdô. Ele é o superior do templo Sôgenji, na província de Okayama, uma pessoa entusiasta na difusão das atividades missionárias no exterior. Ele é amigo de Behar e por cerca de três anos seguidos foi convidado a visitar o México. Assim, foi possível pedir que escrevesse para mim.
Muitíssimo obrigada, por esta conversa valiosa!
Entrevista: 11 de Junho de 2018
Agosto de 2018