História da Urasenke no Brasil (até 2004) – 1ªparte
O ano de 2024 marca o 70º aniversário da Urasenke no Brasil. Desta vez, da “História dos 100 anos da Imigração Japonesa no Brasil”, desvendaremos a história da Urasenke (até 2004) e a apresentaremos em duas partes, em abril e maio.
A “História da Imigração Japonesa no Brasil” está dividida em cinco volumes e foi publicada em 2008. Dizem que é a última história da imigração escrita em japonês.
HISTÓRIA DO CENTENÁRIO DA IMIGRAÇÃO JAPONESA NO BRASIL
Seção 4: Atividades de interesse e Entretenimentos
(1) Cerimônia do Chá
1. Urasenke
A história da Cerimônia do Chá no Brasil começou por volta do quarto centenário da cidade de São Paulo, em 1954. Contudo, pode-se afirmar que antes disso alguns imigrantes japoneses trouxeram nas suas bagagens chás, tigelas e doces afins. A Professora Ogino Sôka 荻野宗香 (viajou de Hokkaido para o Brasil no navio “Brazil Maru” em 1956). Obteve já aqui a licença de Junkyôju. Lembra o seguinte: “Meu pai trouxe alguns dos utensílios da Cerimônia do Chá que minha avó guardava cuidadosamente quando viajou para o Brasil”.
A professora Sakano Sôran 坂野宗蘭 (nascida na província de Kumamoto, viajou para o Brasil no navio “Africa Maru” que aqui aportou em janeiro de 1935). Obteve aqui o certificado dechamei. Conta a seguinte história: “Minhas primeiras lembranças do chá são por volta de 1940-41. Se não me engano, quando vi um artigo em um jornal da colônia japonesa sobre a Sra. Tsubouchi Hiroyo坪内広代, diretora de um jardim de infância no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Numa foto, ela estava demonstrando a Cerimônia do Chá em sua casa para os brasileiros e apresentando-lhes a cultura japonesa. Na época, eu morava em uma colônia japonesa do interior do país, e não havia ninguém ao meu redor que soubesse fazer chá, então imaginem a minha surpresa ao saber de alguém que fazia isso na cidade de São Paulo. Lembro-me que foi a primeira vez que vi um artigo com foto sobre a Cerimônia do Chá, em jornal da época em língua japonesa, fato que me deixou até com um sentimento de inveja, porque ao meu redor, lá na colônia do interior, não existia uma alma sequer que praticasse a Cerimônia do Chá. Certa vez, um amigo que tive até me disse: “Quando morava no campo, plantei flores na chaleira que trouxe do Japão e, ao me mudar para São Paulo, deixei por lá mesmo…” Imagino que deve haver muitas histórias como essa, nestes cem anos desde que os imigrantes chegaram do Japão. Sinto até uma sensação de nostalgia e pena, quando penso nos utensílios de chá que acabaram ficando espalhados por qualquer canto, talvez sem terem sido utilizados por alguém com a finalidade própria, desvalorizados na correria da vida cotidiana.”
Em 1954, a Cerimônia do Chá começou a se desenvolver seriamente. Em comemoração aos 400 anos da fundação da cidade de São Paulo, imigrantes japoneses envidaram o seu melhor esforço para construir o Pavilhão Japonês. Na cerimônia de doação do pavilhão a essa cidade, o jovem Grão-mestre Herdeiro da Urasenke, Sen Sôkô千宗興 (posteriormente, XV Grão-mestre Sen Sôshitsu), e seu irmão mais novo Naya Yoshiharu 納屋義治, vieram ao Brasil e fizeram uma demonstração da Cerimônia do Chá na sua inauguração. Na sequência, em outubro daquele mesmo ano, 74 alunos receberam licenças para ingressar na escola e a filial brasileira foi formada. O primeiro presidente da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, Sr. Kiyoshi Yamamoto 山本喜誉司, foi também nomeado o primeiro presidente da filial.
Em 1955, a sede da escola em Kyoto doou uma sala de chá no terceiro andar da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, tornando-se esta a base para promover a expansão da Urasenke no Brasil. Desde a criação desta filial (shibu), muitos professores foram enviados ao Brasil, todos os anos, incluindo o Mestre Assistente Nagai Sôkei 永井宗圭業躰, contribuindo assim para melhorar o nível do nosso treinamento prático.
A professora Yamashita Sôtei 山下宗程 (originária da província de Kagoshima, chegou no navio holandês “Tjitjalengka” em agosto de 1953). Obteve aqui a licença de Junkyôju. Descreve a situação daquela época da seguinte forma: “Frequentava a casa do Sr. Yamamoto Kiyoshi 山本喜誉司 na Av. Paulista 81, para praticar em dias alternados. Na época, a casa dele era uma casa unifamiliar e, o que era incomum, essa mansão tinha um elevador. Os homens praticavam uma vez por semana à noite. Para as mulheres, as reuniões representavam também encontros das senhoras de classe alta da Colônia da época. Creio que graças a essas reuniões pude começar a praticar em 1955, e, em 24 de setembro de 1958, sete alunas particularmente dedicadas receberam chamei.“
Naquela época, a Professora Takeda Sôchi 武田宗知 (nascida em Osaka, que viajou ao Brasil em um voo da Air France em outubro de 1953), obteve também aqui sua licença de Junkyôju. Participou da primeira sessão de treinamento no Brasil, em 1954. Em 1971, da Convenção do 30º Aniversário da Tankokai, em Kyoto. E, também, de outros eventos como o do 400º aniversário da morte de Rikyu, em 1991 em Kyoto, além da convenção do Havaí, em 2001, e da Convenção Comemorativa dos 50 anos de Difusão do Chadô Urasenke na América Latina, realizada no México, em 2004. Atualmente, atua como coordenadora do Corpo Docente (kyôjukai) da Urasenke.
Na edição de 30 de junho de 1962, a revista “Colônia” publicou um diálogo entre as sete professoras que eram as fundadoras. Em formato de mesa redonda, falaram sobre o fascínio do chá, dizendo: “Tornar cativos corações e mentes através da forma, é um treino demasiado difícil, mas infinitamente aprazível”. Elas são chamadas de “Sete Samurais”, “Sete Deuses da Sorte”, “Sete Sábios”, entre outros adjetivos. Seus nomes eram: Yamamoto Sôkô (Isoe) 山本宗紅(五十江), Asai Sôjû (Yaeko) 浅井宗重(八重子), Washizuka Sôjun (Jun) 鷲塚宗順(順), Murakami Sôshi (Shizuko) 村上宗志(志津子), Yamashita Sôtei (Noriko) 山下宗程(典子), Takeda Sôhô (Yoshie)武田宗芳(芳枝), Isshiki Sôchi (Tomoko) 一色宗智(智子)。 Esse diálogo ocorreu cerca de oito anos depois que o Chado Urasenke se formou no Brasil, e a maioria tinha entre 30 e 50 anos, parecendo todos bem entusiasmados e cheios de esperança. Esta conversação publicada na revista é o único documento remanescente daquela época.
Em julho de 1970, para marcar o 15º aniversário da fundação da filial brasileira (Brasil shibu), uma grande cerimônia foi realizada no Museu de Arte de São Paulo. Hôunsai 鵬雲斎, que se tornou o XV Grão-mestre da Urasenke, Sen Sôshitsu 千宗室家元, veio ao Brasil com sua esposa Tomiko 登三子, e com o Mestre Naya Yoshiharu 納屋義治.
A Cerimônia de Oferecimento Sagrado do Chá (kencha) aconteceu na Catedral da Praça da Sé. Ainda se conserva o catálogo daquela cerimônia. A sala de chá Hakuei-an 「伯栄庵」 foi posteriormente transferida para o quarto andar da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa. Para fortalecer o Chadô no Brasil, o mestre Sôkei Hayashi 林宗慶 foi enviado da sede principal para dirigir a sala de chá como representante direto da Urasenke.
Em setembro de 1979, os estudos de Cerimônia do Chá foram iniciados como curso regular na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, com a Professora Francesca Cavalli, e como curso extracurricular de Cerimônia do Chá, com o Professor Teiichi Suzuki 鈴木悌一, na sala de chá do Centro de Estudos Japoneses da Universidade de São Paulo. Este último curso continua até os dias atuais. O número de alunos que cursaram a disciplina de Cerimônia do Chá na Universidade de São Paulo ultrapassa os 500. Graças aos esforços dos professores das filiais e do Mestre Sôkei Hayashi, estabeleceram-se 17 filiais em todo o Brasil.
(Continua em 1º de maio)
Abril de 2025