“Omotenashi” dos árabes e o Chadô
No momento, mudei-me para o Brasil por causa do trabalho do meu marido e, atualmente, moro no Rio de Janeiro. Antes, quando eu morava em Dubai, por causa da transferência do meu marido, pertencia ao Chadô Urasenke de Dubai e dava orientação nas sessões de prática (Okeiko), na sala de chá “Ryokusui-an” (緑水庵), em Abu Dhabi. Gostaria de escrever as memórias desse período.
Quando fui ao país de deserto, Emirados Árabes Unidos, nunca imaginei que eu pudesse me comunicar de coração com os árabes através do Chadô.
Dando a orientação das sessões de prática aos árabes de Dubai e Abu Dhabi, percebi que o “Omotenashi” – a hospitalidade – que eles possuem se identifica demais com o espírito do Chadô. Em relação ao “Omotenashi” de lá, os árabes primeiro servem o café árabe caseiro aos seus hóspedes. É o próprio anfitrião quem serve o café, mesmo que haja empregados em sua casa. A ação de servir café dessa forma é a maneira do anfitrião dizer para seu hóspede que o aceita como tal, isso se assemelha à postura do “Kissako 喫茶去” (sirvam-se do chá) do Chadô.
O café árabe é uma bebida para o visitante sentir-se à vontade, porém não se limita apenas a oferecer uma xícara de café. Há algumas regras estritas para servir e para tomar o café. Por exemplo:
– colocar apenas uma quantidade pequena de café na xícara;
– segurar o bule sempre com a mão esquerda;
– pegar a xícara sempre com a mão direita etc.
Estas regras são quase as mesmas do Chadô.
Servir a bebida com doces ao hóspede é uma característica comum entre o Chadô e o “Omotenashi” dos árabes. Geralmente os árabes servem café com tâmara seca.
Desta forma, existe a regra que deve ser seguida entre o anfitrião e o convidado, em respeito ao simples ato de servir e tomar a bebida e, ambos, o anfitrião e o hóspede devem respeitar essas diretrizes, criando mútuos sentimentos de união, “Wa 和” – harmonia. Assim, a essência da interação social permanece a mesma no ato de servir e tomar o café árabe e o matcha.
Há muita semelhança no comportamento observado nas mesquitas e nas salas de chá. Por exemplo, existe a regra que antes de entrar na mesquita deve-se tirar os sapatos, e entrar com o pé direito e sair com o pé esquerdo. É o mesmo comportamento dos praticantes do chá da Urasenke, não é? A propósito, em relação ao banheiro, o ato de entrar com o pé esquerdo e sair com o pé direito é considerado um bom comportamento.
Dentro da mesquita, o chão é plano, coberto apenas com tapetes, e quase não tem ornamentos. Portanto, quando eles entram na sala de chá pela primeira vez, costumam dizer: “A atmosfera simples da sala de chá se assemelha à mesquita e assim é fácil nos acostumarmos.” Além disso, aprendem rapidamente a curvarem-se e ajoelharem-se para sentar, talvez porque fazem algo semelhante na ocasião do culto.
Dar importância à purificação é algo comum entre os praticantes da Cerimônia do Chá e os muçulmanos. Antes de entrar na mesquita, os muçulmanos lavam algumas partes do corpo como as mãos e a boca, em ordem específica. Esse comportamento se assemelha ao do convidado da Cerimônia do Chá purificar-se com a água do “Chōzubachi 手水鉢”; primeiro lavar as mãos e depois enxaguar a boca, antes de entrar na sala de chá.
É fato histórico bem conhecido que vários dos comportamentos no Chadô foram influenciados por missionários cristãos europeus, que foram para o Japão por volta do século XVI. Percebi que na verdade há muita semelhança entre o Chadô e o islamismo também, e sabendo que o Chadô se tornou uma ponte para fazer amizade com os árabes e os muçulmanos, o Chadô me atrai cada vez mais.
Naomi Matsubara (Sômi)
Outubro de 2019